segunda-feira, 28 de outubro de 2024

Lacrimatórios e Luto

 Oilá!

Como vai você?

Há algumas semanas encontrei uma publicação sugerida pelo Facebook sobre Lacrimatórios da era Vitoriana (1837-1901), nela a escritora alegava que os lacrimatórios eram frascos de vidro ricamente decorados onde se coletavam as lágrimas dos enlutados logo após a perda de um familiar, depois tampava-se o frasco com uma rolha especial e, assim que as lágrimas secassem, o luto teria passado.

Como muitas antiguidades e costumes curiosos no século XIX, esses coletores de lágrimas eram atribuídos à costumes romanos, mas por muito pouco não alegaram serem originários do antigo Egito.

Pesquisas mais sérias indicam que, os tais lacrimatórios, sejam romanos, ou vitorianos, na verdade, eram frascos para armazenamento e transporte de óleos e unguentos para ritos fúnebres.

A ideia central aqui não é argumentar sobre o objeto, mas sim articular sobre como a humanidade, em diversas épocas e locais, elaboraram formas interessantes de lidar com a partida daqueles que são queridos e o que podemos fazer enquanto quem aqui ficou.

Há diversos costumes e crenças ao redor do mundo que consideram a morte como uma passagem para outro aspecto da vida, sendo esta algo além do corpo físico, para além de tudo que podemos ver e tocar.

 Sempre ouviu-se sobre as festas fartas em países da Àsia, os funerais regados a comidas e bebidas em filmes estadunidenses, o entendimento da morte e o Dia de los Muertos no México, popularizado principalmente pelo filme Viva a Vida é uma Festa (Original:Coco) da Pixar. Na Noruega, por exemplo, o costume é parecido conosco aqui no Brasil, com cerimônias vinculadas, ou não, à crenças religiosas, mas sempre muito solenes.

Temos também o culto aos antepassados na forma e altares em diversas regiões do planeta. Lembrar daqueles que são importantes para nossa existência é algo recorrente durante todo o percurso da humanidade ao longo de milênios. Citando Margaret Mead, psicóloga e antropóloga estadunidense, que trouxe o entendimento de que nos constituímos como civilização a partir do momento que nos dedicamos à cuidar de nossos feridos e também enterrar nossos mortos conseguimos notar uma diferenciação significativa em relação às demais espécies, pois, mesmo que hoje tenhamos o entendimento de que os demais animais sentem, em algum grau, a ausência de seus pares, até o momento, somente nós, seres humanos, criamos rituais e procedimentos perante um falecimento.

Através de um artigo no Portal Comporte-se, Paula Grandi traz reflexões sobre as famosas 5 fases do luto a partir de uma perspectiva Behaviorista Radical. É prudente orientá-los a conferir o texto na íntegra, ao final do post.

O luto, a partir do ponto de vista Behaviorista, consiste em extinção operante, que ocorre quando, após vários comportamentos específicos que tem como objetivo obter reforçadores, esses reforçadores não ocorrem. O mais comum é o desejo de falar com aquele ente querido que falecera recentemente, mandando-lhe uma mensagem, ou cogitando fazer uma ligação, porém, não haverá resposta do outro lado. Muitos já passaram pela experiência, por exemplo, de perder um bichinho de estimação e, após sua perda, ainda procurá-lo nos cantinhos que ele costumava deitar-se, ora ou outra escutando o bater das patinhas no chão. O sentimento de carinho que era trocado na presença do bichinho não mais é possível, e por isso, também, sofremos. 

Existem diversos outros sentimentos que podemos experienciar, em magnitudes diferentes, quando nos vemos frustrados pela ausência permanente daquele que amamos, o mais comum é a raiva advinda da frustração, mas, o que podemos fazer então, já que a pessoa amada não mais está entre nós?

Esta é a pergunta que prevalece.

Dentro da Análise do Comportamento, há direcionamento para ampliar a aquisição de repertório, ou seja, ampliar as opções de comportamentos que podem produzir respostas de terceiros, ou do ambiente, que sejam semelhantes àquelas das quais estamos privados. Sabemos que nossos amores não são substituíveis, mas o intuito é seguir em direção à novos amores, aproximar-se de pessoas da família que são importantes, estar com amigos queridos, ou mesmo interagir com bichinhos como aqueles que perdemos. 

É imprescindível frisar que cada história de vida é única, assim como a dinâmica de suas interações, portanto, cada caso deve ser acompanhado de perto, respeitando sempre o processo de adaptação de cada indivíduo.

Finalizando com a fala de Paula Grandi:

" Como se sabe, pessoas diferentes, com histórias de vida diferentes e de reforçamento diferentes passarão por estas fases de formas, intensidade e até mesmo ordens diferentes."


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Referências:

As Enigmáticas Garrafas de Lágrimas - Wordpress Blog

Lacrimatórios - Wikpedia

As Fases do Luto - Portal Comporte-se

Tradições Funerárias da Noruega

Como Outras Culturas Lidam com a Morte

Enciclopédia de Antropologia - USP - Margaret Mead


segunda-feira, 14 de outubro de 2024

E o tal Valor Social?

 Oilá!

Como vai você?

Você já reparou que psicólogos dificilmente falam sobre valores do seu trabalho de forma pública?

Isso acontece pois no Art. 20 do Código de Ética Profissional há um impedimento para que utilizemos o valor de sessão como forma de divulgação, como um chamariz, veja no trecho abaixo:


Art. 20 – O psicólogo, ao promover publicamente seus serviços, por quaisquer meios, individual ou coletivamente: 

a) Informará o seu nome completo, o CRP e seu número de registro; 

b) Fará referência apenas a títulos ou qualificações profissionais que possua; 

c) Divulgará somente qualificações, atividades e recursos relativos a técnicas e práticas que estejam reconhecidas ou regulamentadas pela profissão; 

d) Não utilizará o preço do serviço como forma de propaganda

e) Não fará previsão taxativa de resultados; 

f) Não fará auto-promoção em detrimento de outros profissionais; 

g) Não proporá atividades que sejam atribuições privativas de outras categorias profissionais; 

h) Não fará divulgação sensacionalista das atividades profissionais.


Profissionais éticos divulgam seu trabalho demonstrando suas qualificações profissionais, suas habilidades, experiências e títulos conquistados pelos cursos de aprimoramento.

O valor das sessões será acordado entre profissional e seu atendido, tendo característica individual para cada pessoa.

Você já deve ter visto diversas plataformas oferecendo catálogo de psicólogos a um valor bem atraente, algumas são com valor fixado em R$30,00, outras em R$70,00, mas você sabia que há uma tabela calculada anualmente para embasar os valores cobrados pelos profissionais?

Você pode conferir a listagem completa em âmbito nacional neste link aqui.

Por exemplo, para Psicoterapia Individual, o valor mínimo sugerido é de R$213,93 por sessão, sendo o valor máximo sugerido R$489,00 por sessão. O Valor Social é identificado na tabela pelo nome de Atuação Junto à Comunidade, que ficaria em torno de R$100,00 por sessão.

Nós, profissionais, sabemos que a demanda se concentra em periferias, comunidades carentes, aposentados por invalidez, ou idade avançada, pessoas com alguma limitação cognitiva, ou motora... São tantos fatores e tantas pessoas que temos também a orientação de oferecer espaço para realizar atendimentos com acessibilidade, já que, como caráter primordial, nosso papel é contribuir com a sociedade onde estamos inseridos. 

Considera-se que aquele que busca por uma vaga a Valor Social está em situação de vulnerabilidade, e não apenas procurando o mais barato, por isso tendemos a ter fé na humanidade e na índole de cada indivíduo.

Vale dizer que também não podemos usar dessa disponibilidade como argumento para propaganda, ainda mais porque podemos não ter mais horários disponíveis para realizar os atendimentos, pois vale lembrar que ter uma lista de espera não é indicado, pois priva pessoas ao acesso ao acolhimento.

Converse com o psicólogo(a) que você tem interesse em trabalhar para saber das possibilidades para ambos, não deixe sua saúde mental em segundo plano!






quarta-feira, 18 de setembro de 2024

Reflexões Sobre Crochê e Aprendizado

 O crochê é uma técnica de criação de tecidos através do uso de uma agulha com gancho em uma extremidade e o uso de linha contínua, formando os mais diversos padrões, seja para toalhas, caminhos de mesa, roupas e até mesmo pelúcias, os conhecidos amigurumis.

 

(imagens: Casa Vogue / WikKow / AmiguNatis)

Como todo processo de aprendizagem, o crochê pede que haja dedicação, treino, busca por referências, atenção, dentre outros. É recorrente que um artesão iniciante precise desmanchar seu trabalho ao longo de diversas etapas do processo para que o resultado seja conforme o esperado. Repetição é, em consenso, uma das formas de aprendizagem, tendo esta, várias outras facetas que podem ser atribuídas a este fenômeno.

Para a Análise do Comportamento, aprendizagem pode ser entendida como uma ocorrência, um evento que acontece na presença de contingências que a favorece, sendo vista principalmente quando nós conseguidos observar que o indivíduo está emitindo um comportamento novo, que antes de certos eventos, não era possível.

Tomando o crochê como exemplo, o comportamento de manipular linha e agulha não é algo que nasce conosco, portanto, quando vemos alguém iniciando neste hobbie/trabalho, vemos que é comum a pessoa fazer diversas correntinhas em sequência com certa lentidão,  pois aprendeu recentemente como apoiar os materiais na mão e realizar o movimento. Conforme a pessoa se coloca em situações onde precisa aprender um ponto novo,  uma regra de aumento, ou redução de pontos, torna-se visível que o aprendizado está ocorrendo para o comportamento de fazer crochê.

Como vemos no livro Fundamentos de Psicologia: Temas Clássicos da Psicologia Sob a Ótica  da Análise do Comportamento ( Hübner & Moreira, 2022), reconhecer ou não algo como aprendizagem depende de se considerar o estado presente de algum aspecto do comportamento de uma pessoa em comparação com seu estado anterior. Entendemos então que é uma demonstração  de um comportamento novo ou modificado.

No entanto, não é qualquer modificação no comportamento que podemos considerar como aprendizagem, é necessario que as mudanças na relação de um organismo perante seu ambiente sejam, duradouras, não se restringindo à somente um evento. É necessário que também haja sensibilização e habituação do indivíduo, ou seja, ele deve ser capaz de responder aos estímulos semelhantes àquele que originou, ou modificou o comportamento que está sendo observado.

Diferentemente do que muitos acreditam, os processos de aprendizagem nem sempre terão um caráter linear crescente, como no exemplo gráfico da figura 01, tendo um caráter muito mais inconstante a depender dos eventos relacionados ao comportamento de aprender, conforme figura 02
 




Portanto, é plenamente possível que uma crocheteira experiente precise desmanchar fileiras de pontos para refazer parte de sua peça a depender dos eventos ambientais que podem interferir em seu trabalho, não sendo necessariamente pelos mesmos eventos que uma crocheteira iniciante desmancharia partes de sua peça.

Considerando que, para que a aprendizagem ocorra, o indivíduo precisa ter condições de entrar em contato com os estímulos do ambiente, é plenamente possível que qualquer pessoa aprenda coisas novas, independente da idade, em ritmos diferentes.




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Referências:
HÜBNER, Maria Martha Costa. MOREIRA, Márcio Borges. Fundamentos de Psicologia: Temas Clássicos da Psicologia Sob a Ótica  da Análise do Comportamento. 8ª Edição. Rio de Janeiro. Editora Guanabara. 2022.


segunda-feira, 26 de agosto de 2024

Constelação Familiar não é compatível com a Psicologia

 



Em nota técnica oficial, no mês de Março de 2023, o Conselho Federal de Psicologia informa algumas das incongruências éticas das produções de Bert Hellinger sobre a Constelação Familiar,  também chamada por Constelações Sistêmicas e Constelações Familiares Sistêmicas.

Diversos pressupostos teóricos da Constelação Familiar mostram-se contrários a Resoluções e outras normativas do Sistema Conselhos de Psicologia, além de leis que têm interface com o exercício da profissão.

Entre as incompatibilidades está o reconhecimento, enquanto fundamento teórico da Constelação Familiar, do uso da violência como mecanismo para restabelecimento de hierarquia violada – inclusive atribuindo a meninas e mulheres a responsabilidade pela violência sofrida.

A prática da Constelação Familiar viola ainda as diretrizes normativas sobre gênero e sexualidade.

Isso porque reproduz conceitos patologizantes das identidades de gênero, das orientações sexuais, das masculinidades e feminilidades que fogem ao padrão hegemônico imposto para as relações familiares e sociais.

Não há evidências científicas publicadas por periódicos especializados que suportem a eficácia das constelações familiares, sua justificativa, utilidade e resultados não são comprovados.

Consta, como um dos princípios fundamentais do profissional psicólogo, basear seu trabalho no respeito e na promoção da liberdade, da dignidade, da igualdade e da integridade do ser humano, fundamentos que não são respeitados quando se colocam vítimas de violência e abuso como responsáveis, vitimizando novamente estes indivíduos.

O viés religioso e eugenista em suas produções literárias são questionados por profissionais sérios há anos, principalmente por contrapor o Art 2º b do Código de Ética Profissional do Psicólogo, onde é vedado ao psicólogo:

"b) Induzir a convicções políticas, filosóficas, morais, ideológicas, religiosas, de orientação sexual ou a qualquer tipo de preconceito, quando do exercício de suas funções profissionais;"


Você pode conferir a nota técnica na íntegra lá no site do Conselho Federal de Psicologia clicando AQUI.

Motivação Sob a òtica da Análise do Comportamento

 Ao falarmos sobre motivação você deve estar pensando em uma força invisível rara para a maioria das pessoas, pensando em algo como uma cham...